DO CAPSI II AO CAPSI III: TRANSFORMAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CUIDADO NA ATENÇÃO À CRISE EM SAÚDE MENTAL

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Pedro Gayoso de Carvalho Gonçalves

Resumo

Este relato de experiência tem como finalidade primordial discutir e apresentar as mudanças graduais – de natureza estrutural-espacial e subjetiva – de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) II para III, tendo como recorte as modulações referentes a atenção à crise em saúde mental, com a introdução do acolhimento 24 horas ao longo do ano de 2022. Encadeando um diálogo com a atenção psicossocial e com a reforma psiquiátrica brasileira, procurou-se apostar em uma oferta de cuidado que tinha como horizonte de referência o cuidado em liberdade com corresponsabilização profissional-usuário, em consonância com uma escuta ativa acolhedora e sensível, tendo como fundamentação teórica a proposição de clínica ampliada em saúde mental em composição com conceituações advindas da psicologia social. Uma metodologia que se propõe a apreender o sujeito em tratamento no serviço de saúde como complexo e singular em seus atravessamentos psicossociais, necessitando, assim, de um cuidado multiprofissional integral e responsivo. No que tange às mudanças estruturais-espaciais, foram identificadas transformações no mobiliário físico espacial interno, além de duas particularidades que moldam a relação que o CAPSi estabelece com a territorialidade sócio-espacial ao seu redor: sua disposição localizada internamente a um campus universitário e seu posicionamento centralizado em uma zona geograficamente delimitada da cidade que é privilegiada economicamente e em termos de equipamentos intersetoriais. No que se refere aos aspectos subjetivos, foram evidenciados tanto o descolamento de práticas análogas ao modelo asilar por parte dos profissionais envolvidos com o serviço quanto uma ressignificação mais ampla que entendeu a atenção à crise em saúde mental e o acolhimento 24 horas como um processo contínuo de cuidado ampliado. A congregação dos fatores estruturais-espaciais e subjetivos foi possibilitada através do tensionamento da tessitura relacional ao se elaborar, pelo formato de roda de conversa, uma construção coletiva dialógica entre profissionais e profissionais e usuários. As conversações construídas serviram como sustentáculo para que a palavra circulasse, fortalecendo as vinculações transferenciais existentes no bojo da saúde mental, ao estabelecerem uma articulação clínica-política para consolidação de um serviço de acolhimento 24h que operasse fora da lógica manicomial, em uma proposição que visou descontruir e destruir práticas manicomiais ainda presentes no discurso psicossocial em serviços de portas abertas. As argumentações empreendidas possibilitaram, por sua vez, congregar os fatores estruturais e subjetivos encontrados para se pensar uma atenção à crise em saúde mental descolada de uma atenção à crise estritamente psiquiátrica, análoga ao modelo asilar. A articulação clínica-política amplificou a própria definição de cuidado, diluindo as noções de interno e externo no serviço, demonstrando que não há um dentro e fora que não aquele subjetivo reeditado através de práticas manicomiais.

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